domingo, 4 de julho de 2010

O primeiro livro com toda a história sobre o heavy metal-HEAVY METAL - História completa Ian Christe

Radicado nos EUA, o suíço Ian Christe se notabilizou há sete anos, quando lançou "Heavy Metal - a história completa" (que acaba de ganhar edição nacional). Fã do gênero desde o começo dos anos 80, já tinha dado mostra de seus dotes com artigos sobre tecnologias emergentes e cultura marginal, na conceituada revista Wired. Por e-mail, falou ao Caderno 3 acerca de pontos polêmicos de sua obra e sobre passado e presente do metal

Como você descobriu o heavy metal?
O heavy metal me pegou em 1980, quando o AC/DC lançou "Back in Black". Músicas como "Hell´s Bells" te deixavam paralisado e em choque. Eu fiquei viciado! Tenho sorte de fazer parte de uma geração que vivenciou cada nova onda do metal que se seguiu àquilo: thrash metal, death metal e todo o resto.
Como você decidiu escrever a história do heavy metal? Não é coisa demais para um livro?
Quando comecei a escrever, não existiam livros sobre o heavy metal, o que eu achava uma puta de uma injustiça. Milhares de bandas e milhões de fãs botaram suas vidas nesta música, e as histórias são fantásticas e precisavam ser contadas. Basicamente, o que fiz foi tirar uma cadeia de episódios coerente das décadas de acontecimentos e lendas do heavy metal. Antes, estas histórias que estão no meu livro passavam de fã para fã, do irmão mais velho para o irmão mais novo, com um tipo de código tribal. E sim, foi trabalho pra caralho, eu tenho que concordar. Passei quatro anos inteiros escrevendo, e o livro mudou minha vida.
Por que você tomou o Black Sabbath como grau zero da história do heavy metal?

Essa tem sido, disparada, a parte mais polêmica do meu livro, e aparece logo na primeira página. Nos anos 1970, existiram muitas bandas pesadas, mas nenhuma delas centrou-se em letras tenebrosas e uma batida musical com uma estranha atmosfera mística como o Black Sabbath. Um resultado disso é que você ainda pode ouvir a influência do Sabbath, décadas depois, em bandas como Type O Negative, Opeth e Behemoth. Há uma linha direta que liga todo o metal ao Black Sabbath, o que não acontece com outros titãs dos anos 1970, caso de Blue Cheer e Deep Purple.
No livro, você apresenta o surgimento do heavy metal como um momento de ruptura no rock. Havia algo de vanguardista naquelas bandas mais sombrias e pesadas que o normal. Hoje, o heavy metal parece viver um momento bem distinto. O gênero se tornou uma variante tradicionalista e conservadora do rock?

Heavy metal é uma criatura enorme, depois de 40 anos, é como uma grande cidade com muita luta interna, diferentes vizinhanças e todo tipo de política. Sim, existem muitos tradicionalistas sustentando regras de como o heavy metal deve ser tocado e de como os fãs devem se vestir. E eles estão todos errados, porque o futuro do heavy metal vai sempre recair sobre o que quer que a nova geração crie.
Você respeita o heavy metal e deixa isso claro no livro. No entanto, você tira sarro dos momentos ridículos da história do gênero. Como os leitores têm reagido a estas piadas?

Acho que os fãs de heavy metal têm o melhor senso de humor do mundo, mas eles também são muito incompreendidos. Como quando eu era garoto. Nunca gostei muito do Spinal Tap, sobretudo porque eu conhecia vários exemplos na vida real que eram muito mais divertidos! Quando gente de fora olha para alguns discos de heavy metal, eles acham engraçado, mas não dão muito crédito aos metalheads. Claro, às vezes é hilariante, só que o excesso e o exageradamente risível são parte da criação de uma experiência maior que a vida. E, de repente, não é mais engraçado, é sagrado! Eu pergunto: os políticos sabem como seus cortes de cabelo são engraçados?
Fale um pouco da enorme popularidade que o metal tem na América Latina e esta experiência nova, de ele estar se fortalecendo no Oriente Médio.

O melhor heavy metal sempre nasceu no vácuo. Nas origens, na Grã Bretanha, bandas como Black Sabbath e Judas Priest não se encaixavam cena musical da moda em Londres. Depois, grupos norte-americanos como Slayer e Metallica vieram da periferia de Los Angeles, respondendo à Europa com um novo tipo de música. O Sepultura foi a primeira banda de fora do eixo EUA-Europa a ter um grande impacto em nível internacional, e acredito que eles ainda sejam considerados deuses ao redor do mundo por ultrapassar os limites da América do Sul. Hoje, as mais selvagens dentre as novas bandas vêm do sudeste da Ásia, de países como Índia, Cingapura e Sri Lanka. É totalmente insano que essa música ainda conecte pessoas de todas as culturas. Quando ao Oriente Médio, não posso expressar o quanto respeito a dedicação das bandas que tocam lá. Ensaiar e fazer um poucos shows já implica numa luta constante na Síria, na Jordânia, no Marrocos, em Israel e no Líbano. Você pode dizer que a música é mais do que uma escolha de consumo, é um modo de vida pelo qual vale a pena lutar, alcançando sempre algo mais verdadeiro e gratificante, através música intensa.
Quem são seus autores favoritos na crítica de rock? Quais foram suas referências para escrever sobre rock?
Gosto de livros escritos pelos próprios músicos, como o que publiquei (na condição de editor), "Only Death is Real", do Tom Gabriel Fischer, líder do Hellhammer/ Celtic Frost. Ele é um dos criadores do death metal e do black metal, e suas opiniões acerca do heavy metal são fascinantes e muito profundas. Li um monte de jornalismo e não-ficção, e acho que escrever sobre música é só outra forma de escrever.
Glossário
Metal - A expressão heavy metal fez sua estreia no livro "Almoço nu" (1959), de William Burroughs; na música, quem primeiro a usou foi a banda Steppenwolf, no clássico motoqueiro "Born to be wild" (1968). Nos anos 70, passou a definir uma tipo de rock surgido na Inglaterra e caracterizado pelo peso e por uma lírica avessa ao otimismo hippie. Quando o heavy metal se multiplicou em subgêneros, passou-se a adotar metal, para se referir a um gênero maior, do qual o próprio heavy era uma das vertentes. Metalhead - Palavra que define a pessoa que se identifica com o metal, segundo quase um sinônimo para o fã do gênero. Pode, contudo, se referir aos músicos do segmento. Outra palavra que define a mesma coisa é headbanger ("batedor" de cabeça). Nem metalhead brasileiro aceita a definição "metaleiro", surgida fora da cena metal e, inicialmente, tendo um sentido pejorativo. Thrash metal - Subgênero surgido no começo dos anos 80, nos EUA, tendo por representantes bandas como Metallica, Slayer e Sepultura. É marcado por música velozes, riffs pesados e distorcidos, percussão em destaque e vocal gutural (que vem do fundo da garganta, gritado). As letras costumam versar, raivosamente, sobre temas sociais . Black metal - Surgido pouco depois do thrash metal, o black metal tem como características próprias uma bateria superveloz, vocal com gritos agudos e guitarras altamente distorcidas. Os temas são variações de um anticristianismo, por vezes flertando com o paganismo, folclore europeu e ideologias nacional socialistas (!). Bandas inglesas como Venom (EUA) e Celtic Frost (Suíça) são pioneiras, contudo o grande polo de black metal é a Noruega, lar de Mayhem e Burzum. Death metal - Apareceu em meados dos anos 80, trazendo tanto elementos do thrash quanto do black metal. A bateria continua ultraveloz, a estrutura das canções ainda é complexa, mas os vocais são guturais (mais selvagens que no thrash). As letras costuma se concentrar em temas satanistas e ocultistas. Spinal Tap - A exemplo do Massacration, falsa banda de metal criada por um humorístico da MTV, o Spinal Tap era uma banda falsa que protagonizou um documentário homônimo que satirizava a cena metaleira. No princípio era o Sabbath

A raridade de títulos mais densos sobre o rock, com perspectivas histórico-sociológicas mais abrangentes, espelha a situação de outros mercados, sobretudo o de língua inglesa. Tanto que, quando foi publicado nos EUA e na Europa, "Sound of the Beast: the complete headbanging history" chamou muita atenção para um projeto relativamente óbvio: contar a história de um dos braços mais tradicionais do rock. Era 2003 e o escritor Ian Christe ascendeu como autoridade no tema (sobre o qual já escrevia para revistas especializadas). Sete anos depois, o livro ganha edição brasileira, batizada como "Heavy Metal: a história completa".

O subtítulo pretensioso (eco da edição original) não deve ser levado a sério. Contudo, é inegável a abrangência da abordagem de Christe e o esforço por contemplar cenas para além do eixo Europa-EUA. O resultado é uma espécie de ziguezague bem amarrado, em que o escritor sempre expõe os momentos que antecederam o aparecimento de algumas das cenas.

Ponto positivo é a coragem do autor de adotar, sem meios termos, um marco zero do gênero. E este é o Black Sabbath, quarteto inglês, de Birminghan, que revelou Ozzy Osbourne. Há quem questione (haviam bandas barulhentas ou sombrias antes do Sabbath). No entanto, a porta aberta por essa controvérsia conduz a um emaranhado de teorias que renderia sozinho um livro - de gosto duvidoso, é certo, mas volumoso.

Existe um gênero de beatlemaníaco, por exemplo, compulsivo por creditar a origem de tudo de bom do pop aos quatro de Liverpool. Estes puxam a sardinha para o lado da dupla Lenno-McCartney ao apontar "Helter Skelter" como a primeira canção com elementos de metal. Os registros ao vivo do The Who mostram que, já em 1965, o grupo tinha selvageria, peso e velocidade suficiente para fundar o gênero. Vale notar, claro, que a temática das letras do Who tinha pouco a ver com os temas sombrios que dominaram a primeira década do estilo. O Led Zeppelin, que surgiu dois anos antes do Sabbath, tinha atributos semelhantes e ainda adotava temas da mitologia nórdica, que mais tarde fariam a cabeça dos metaleiros com mania de viking.
Mapa do inferno
A narrativa parte da primeira metade dos anos 1970, tendo o Black Sabbath e o Judas Priest como os primeiros evangelistas da boa nova metaleira. Na sequência, Ian Christe dedica capítulos à cena New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), protagonizada por bandas das terras da rainha, como Iron Maiden, Venom, Saxon e Diamond Head. Esta última nunca fez lá muito sucesso, mas plantou uma semente que, nos EUA, fez brotar uma das cenas mais populares e consistentes do metal, o thrash metal. Filhotes do Diamon Head são gigantes que estabeleceram o formato mais conhecido do metal, caso do Metallica, o Slayer e o Anthrax. Foram eles que instituíram o vocal gutural, característico de bandas como o Sepultura.

O grupo mineiro aparece no livro, assim como nomes de outras cenas, a exemplo do black metal nórdico (abertamente satânico). Para sorte do leitor, Christe sabe rir do gênero, sem desvalorizá-lo. O que fica visível nas listas que estão distribuídas no livro, caso do "best of" de Glam Metal (o metal farofa de Guns N´Roses, Mötley Crüe e afins), subintitulado "Gosto, mas tenho vergonha".
MÚSICA

Heavy Metal 
Ian Christie

ARX
2010
496 PÁGINAS
R$ 49,90
TRADUÇÃO: Milena Durante e Augusto Zantoz

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